sexta-feira, 16 de outubro de 2009

secos e molhados


Ela cacheava o cabelo na frente do espelho com a pomada, as mãos melecadas, cheiro de shampoo barato. Ouviu "menina, você acha que eu tô seca?", virou-se e era para ela. Como assim, seca, moça? Até então a palavra seca era aplicada às barrigas fabricadas das saradas que andam pelada no vestiário do clube. "A senhora não é seca, a senhora está ótima", respondeu, rápida como tarte tatin escorregando da fôrma, e se surpreendeu com o tom da própria voz. "É que as meninas disseram que eu tô seca. Eu como pouco, uma conchinha só de arroz, outra de feijão. Aí me deu um enjôo esses dias, elas perguntaram se eu como à noite, eu não janto. Eu sou assim mesmo, magrinha, mas você acha que eu tô seca?". De jeito nenhum. "Mas olha, uma coisa é certa: é bom se alimentar à noite, viu? Não faz bem deixar de comer", a garota falou, sentindo os sapatos de veludo vermelho agarrando o chão. "Se bem que às vezes", continuou, "também pode ser falta de blush". Pintaram o rosto de peach twist. Foi então que começou a tocar Beatles (tá vindo de onde esse som, da privada?) e a girafa grafitada na porta saiu do box e esticou o pescoço, e todo mundo entendeu o mistério dos buracos no teto do banheiro. Agradecida com a resposta, despediu-se cantando alguma música religiosa, só podia ser, tinha a palavra Deus no meio. E foi gozado que agora é que a menina se tocou - mas que tombo da memória! -, a mulher estava ao lado dela cantando a mesma música o tempo todo, desde o instante em que abriu o frasco de pomada.

Ilustra: Laura Laine

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