segunda-feira, 8 de novembro de 2010

O tocador de pife


Sentado na cadeira de balanço na sala do casarão, o tocador de pife Alfredo Miranda observa em silêncio a mulher, Terezinha, vender doces e licores. Ela, que nunca tira um olho dele, senta no braço de sua poltrona e contempla-o com ternura, lamentando que esteja doente. “Não reconhece mais os amigos e os filhos. Mas...” – leva o pife à boca de Alfredo, que em um sopro inicia uma canção - “...ele não esquece as músicas”. Daí em diante, para regozijo dos presentes, a visita ganha trilha sonora – Alfredo engrena no pife e toca uma sucessão de canções com vigor de criança. Nascido em 1916 em Viçosa do Ceará (interior do Ceará, a uns 150 km da turística vila de Jericoacoara), cresceu na roça e foi apresentado à flauta por um amigo curumim. Aos seis anos, fez sua primeira composição, um chorinho. Quando a saúde não estava debilitada, Alfredo costumava fabricar pifes a partir da taboca, uma espécie de bambu – supersticioso, sempre nos dias de lua cheia, em meses sem “r”. Além de canções próprias, a mulher conta que adorava reproduzir as músicas dos anos 40, a “era de ouro” do rádio. Na hora da despedida, que Terezinha quer adiar ao máximo, uma inesperada surpresa: na sacola, além de licores e biscoitos caseiros, o CD Ao pife, por Alfredo Miranda.

*Íntegra do texto publicado no Guia Brasil 2011

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