sexta-feira, 25 de março de 2011

aperta, afrouxa


Sei que a probabilidade de abrir um saco de açúcar e não derrubar nenhum grão é nula. Eu me esforço para pendurar a toalha no varal e não esquecê-la em cima da cama, mas esqueço. Não reparo se o copo está na beirada da mesa e vai cair no chão, e frequentemente ele cai.
Eu não tenho respostas.
Acho que é um mundo muito terreno para seres líquidos, e há pop-ups por todos os lados: a moça atravessando a rua, o anãozinho que foi pintado de laranja, a jujuba caseira do pastifício, os enfeites novo da sala, o relógio que ainda não consertei.
Não vim preparada para a vida prática, sou filha de pai sonhador. Mas tenho uma mãe prática, e sei que preciso pagar a conta de luz e limpar a lixeira. Faço. Só tenho um ritmo de borboleta: ziguezagueando...
Minha sorte é que sou cercada de pessoas doces e delicadas que gostam do meu mundo.
Tenho quem me cuide, mas sei bem que quem carrega minha enxada sou só eu.
E ajuda muito ter nascido com um otimismo que enche dez copos de uma só vez.

terça-feira, 22 de março de 2011

miolo do pão


Debaixo de uma chuva de estalactites e estalagmites, demos os braços e saímos dançando e cantando "estamos no miolo no pão, estamos no meio do pão...", no ritmo daquela musiquinha da Varig, "para um pouquinho, descansa um pouquinho...".
Nós duas olhamos para o céu da caverna e nos sentimos dentro de um pão. Você não acha que...? Eu acho. Dieta de palavras, abundância de entendimento. Muitas risadas. Tenho uma certeza de rainha que nunca ri e nunca mais vou rir tanto tão frequentemente em minha vida. Eram lágrimas todos os dias. Eu e minha risada de cavalo - como brincam as amigas -, queixo inclinado para cima e sorriso de aparelhos fixos.
Na mesma viagem ao Petar engoli seco quando uma menina sentou-se ao meu lado no refeitório só para contar que "80% do acampamento está dizendo que você está se achando". Aguentei firme ela dizer infanto-barbaridades cruelmente intercaladas por longas mastigadas. Soltava uma pergunta do tipo "sabe o que as pessoas estão falando de você?", e dava uma garfada. "Estão falando que...", e dava outra garfada.
Escutei tudo, sem reagir, terminei o jantar e fui chorar no banheiro.
Foi um furdunço. Alguém avisou a professora que eu tinha virado faca de cebola e a professora baixou no quarto junto com a causadora dos soluços que, vendo o estrago, improvisou alguma desculpa (ou quem sabe, vai entender os pra-quês da idade, ficou sinceramente sentida). Lembro da menina me abraçando no banheiro do meu quarto e, o rosto, aquela vermelhidão.
Eu e minha cúmplice de risadas fomos melhores amigas por um ano, depois seguimos cada uma seu pontilhado. Não lamento, foi um grande encontro.
Engraçado é que tinha tudo para ser o ano mais choramigão da minha adolescência, mas por uma dessas curvas da vida acabou sendo o oposto.
É essa a graça, né?
Mesmo que casualmente bata uma vontade imensa de morar no pão francês do meu café da manhã.

segunda-feira, 21 de março de 2011

ausentes


uma das imagens mais puras. preciso delas.

quarta-feira, 16 de março de 2011

Sidnei Basile


Morreu um amigo. Nunca tinha morrido um amigo.
Eu o conheci em um CEO Summit, ele mediava habilmente um debate em que o velho Frias cochilava a cada cinco minutos
No fim, meu então namorado praticamente me empurrou para cima dele, dizendo que era importante eu me cercar de bons conselhos
De pastinha na mão com minhas poucas reportagens enfiadas nos plásticos, fui.
Sou estudante de jornalismo, gostaria de..."Pega meu cartão e marca uma reunião comigo", ele falou, e eu não podia acreditar.
Marquei.
Cheguei na editora de calça preta, terninho e rímel, com um discurso infantil do qual me envergonho profundamente hoje.
Ele passou os olhos nas minhas matérias, elogiou uma ou outra, e sentenciou:
"Garota, eu vejo que você já tem alguma experiência em revista. Se você quiser, eu até encaminho seu CV para o responsável por selecionar o pessoal daqui. Mas....acho que você deveria trabalhar em um jornal".
Saí de lá meio frustrada, mas fui procurar um jornal. Pastinha na mão, calça preta, terninho, rímel e discurso infantil.
Não é exagero dizer que, se não fosse pelo Sidnei, eu jamais teria procurado um jornal aos 19 anos.
Entrei no Estadão e começamos a trocar e-mails com frequência. Ele lia pacientemente meus longos desabafos, não subestimava minhas inquietações. No início do ano, deletei toda a minha caixa de entrada porque o Gmail estava quase 100% lotado. Como me arrependo.
Depois de meses conversando virtualmente, marcamos um jantar. Fomos comer espetinhos no Dita Cabrita. Nessa ocasião me contou que tinha herdado uma fazenda e estava aprendendo a cuidar de carneiros.
Fiquei encantada quando disse que misturava geleia de laranja à ração porque tinha notado que assim eles comiam mais e pareciam mais felizes. Lembro de ter escrito em um de meus blocos: "O Sidnei se preocupa com o prazer de seus carneiros".
Viramos amigos.
Ele sempre me dando conselhos que eu guardava na cabeceira da cama. Mas nunca foi cabotino ou exaltou seus feitos, nunca me aconselhava em tom professoral.
Levantava minha auto-estima: me chamou de cronista da cidade, me imaginou dirigindo um jornal latino-americano. Quando perguntei se ele achava que eu deveria morar fora, respondeu "para que sair do seu país, se aqui você é uma estrela em ascensão? Mas, se a vontade for urgente, você tem que ir".
Equilibrava com a agudeza de um malabarista e a serenidade dos sábios.
Uma vez, escreveu que às vezes tinha medo porque eu era muito veloz. Quase sempre me pedia calma.
Quis saber minha opinião sobre um texto em que contava sobre divinos pastéis que a avó fazia. Compartilhou comigo a felicidade em descobrir, na Itália, que não tinha sido o primeiro jornalista de sua família.
Jantamos no La Frontera nhoques absurdos com farofa de pão, os melhores, comemos mariscos no restaurante italiano do Benny Novak.
Ele e a mulher compareceram à uma noite de gala no Laboratório Paladar. Me alegrou conhecer sua Beth.
No nosso último encontro, que deve ter sido há cerca de 1 ano, lhe contei um caso, esperando que ele se revoltasse impetuosamente como eu, mas reagiu com cautela. Fiquei chateada por discordar, pela primeira vez, daquele que foi um grande mestre para mim. Depois disso, nunca mais tivemos conversas profundas. Apenas nos encontramos no corredor da editora, onde por fim acabei trabalhando, e ele me deu um grande abraço: "E aí, jornalista? Viajando muito?"
Gostava da sua voz, e tinha uma risada maravilhosa, incontida, italiana, ria com a boca, os olhos, as mãos.
Encontrei em um velho post das Meninas de Lá um texto que escrevi sobre ele.
"Sabe o que é a vida para mim? É uma grande poltrona cheia de gavetas. A gente abre uma, fecha outra, abre aquela primeira de novo, dá uma arrumada na bagunça, fecha."
Por coincidência, acabei de comprar minha primeira poltrona. E ele já não precisa mais de uma: pode se sentar nas nuvens.

sexta-feira, 11 de março de 2011

on a friday night

The art of losing isn't hard to master;
so many things seem filled with the intent
to be lost that their loss is no disaster.

Lose something every day. Accept the fluster
of lost door keys, the hour badly spent.
The art of losing isn't hard to master.

Then practice losing farther, losing faster:
places, and names, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother's watch. And look! my last, or
next-to-last, of three loved houses went.
The art of losing isn't hard to master.

I lost two cities, lovely ones. And, vaster,
some realms I owned, two rivers, a continent.
I miss them, but it wasn't a disaster.

--Even losing you (the joking voice, a gesture
I love) I shan't have lied. It's evident
the art of losing's not too hard to master
though it may look like (Write it!) like disaster.


*One Art, de Elizabeth Bishop

quinta-feira, 10 de março de 2011

twitter no portão


Encostei na mureta e me alegrei com a enorme quantidade de flores do campo violetas que desabrocharam essa semana no arbusto. Na mesma hora uma menininha passou de mãos dadas com uma mulher e arrancou uma florzinha e disse: "Pra você". Pensei na minha mãe, e em como gostaria de arrancar uma flor do arbusto pra ela todos os dias da minha vida.

quarta-feira, 9 de março de 2011

lucidez em calda


Só o nonsense salva. O ataque de riso de Taburin, o melhor mecânico de bicicletas de Saint-Céron, e seu amigo fotógrafo Figure na cena final de Raul Taburin, mais um livro magistral do Sempé.
O paraíba perseguindo um cavalo numa estrada vicinal em Socorro - ele parou o carro no meio do asfalto e começou a correr atrás do cavalo, que de alguma forma se perdeu do dono e foi parar na estrada. Eu perguntando séria mas como você vai pegar o cavalo? e ele não sei, eu filmando com o celular o cavalo galopando, som de vento, ferradura estalando no cimento, e a gente rindo. Ele ficou com medo que o bichinho se machucasse. Eu explicava "mas, homem de deus, o cavalo entrou num cercadinho, tem até outros cavalos lá, ele vai ficar bem".
Sossegou apenas quando cruzamos um sujeito com o carro estacionado no acostamento inclinando o pescoço para dentro do mato. "Você perdeu um cavalo branco?". A pergunta era absurda, a situação toda era absurda. E o melhor é que era o dono do cavalo. Ele e a mulher nos seguiram e, como forma de agradecimento em fartura, ofereceram um queijo em sua casa, que era ali perto. "É um bom cavalo", ele repetia. Eu queria saber se tinha nome, e o paraíba ralhava comigo, onde já se viu animal na roça não tem nome.
O banco de madeira que viajou de Urubici para Joinville, Joinville para São Paulo, e chegou bem em um dos lugares mais incólomes da cidade, a Feirinha da Madrugada do Brás.
Corujas na praia, pessoas carregando garrafas térmicas na praia, para o refil do chimarrão, oito homens empurrando meu carro no bairro de São Bento em Criciúma, corucacas no telhado, a maior araucária do mundo que sobrevive há 900 anos com um enorme rasgo no tranco, e ainda produz pinha, descobrir na Feira de Antiguidades do Masp que existiu um fotógrafo Tucci.
Pé de maçã. Maçã não é pra dar em pé, maçã nasceu pronta, vermelha com cabinho, maçã é roupa passada em cima da cama, é a Lady Di das frutas.
A garota que não sabia o que era peito de peru, e horas depois se lembrou, "ah! você disse peito de peru?", e a gargalhada que compartilhamos.
Quando eu morrer, quero que seja nonsense. "Mas, morreu, desse jeito, nesse dia?".
Amo nonsenses tão senses. Mais que doce de leite.