quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

minhocas


Demorei muito, juntou muito assunto, sinto como se mil cigarras cantassem na beira do meu ouvido. Poderia falar sobre o aniversário do nonno, que foi segunda e me lembrei tanto do velho italiano, e pensei, depois de ver o filme do Hugo relojoeiro no domingo, e depois de um e-mail muito bonito do amigo distante, que se coisas banais me parecem extraordinárias, pessoas normais extraordinárias, a raiz vai ao meu mil-avô. Passando pelo nonno, com suas histórias de jacaré, seu gosto por caminhadas no próprio jardim, suas polpetas sequinhas e macias com textura de pão. E o meu pai, que vai para a janela do prédio e sorri para o sol, assobia para o papagaio do vizinho e usa o mesmo clássico keds azul há pelo menos 20 anos, hoje eu vi uma foto e pensei. Já disse que meu pai tem um repertório bastante grande de palavras que ele inventou? "Senti reações tex miller", ele diz, quando não confiou na pessoa. "Vou ter que entrar com a tática 62". Tática 62, eu e meus irmãos crescemos ouvindo isso, e nunca soubemos ao certo o que é a tática, só que já me peguei usando. No livro que eu tô lendo, Sangue, Ossos e Manteiga, a Gabrielle descreve o pai, diretor de teatro psicodélico e gorgolejante, que gelava cervejas no rio e assava cordeiros no quintal, como um mágico. Meu pai foi para nós crianças igualmente um mágico. Ele criou uma gramática própria que é pura intuição, deixando uma lição que há de confortar três corações até o fim da vida. Suas armas sempre foram as mais barulhentas (com as mãos posicionadas estrategicamente na altura dos olhos, imita o som de carros da Fórmula 1, quando está feliz), e também as mais doces. A culpa por eu ter paladar doce, de quem é? De quem me passou a infância alimentando de banana com leite condensado, açúcar e farinha láctea, nescau com leite e açucar, e balinhas de leite, e bolachas, todas, as mais saborosas, doce de abóbora, doce de morango com suspiro da vovó. Minha infância foi água e açúcar. É tudo culpa deles, e eu os adoro.

ilustração: Dino, o mascote do meu pai, desejando um bom 2012 a todos