domingo, 31 de março de 2013

Para a Bia



A Bia era tudo que uma garota de oito anos poderia querer como irmã: um bebê gordo e alegre que não parava de rir e rebolar
Que topava qualquer brincadeira, o tempo nunca fechava para ela.
*
Durante uns bons anos, sete talvez, nós dividimos o mesmo quarto
A gente vivia feito gato e rato!
Apesar de tudo que nos unia, não conseguia se entender
Eu queria enchê-la de beijos e abraços, dar dicas sobre o primeiro beijo, dar dicas sobre qualquer coisa, dividir os mais íntimos segredos
Eu queria ser a irmã mais velha de Hollywood
Na minha visão simplista do mundo, eu tinha certeza que se ela não me retribuía da única forma possível que eu inventei que se podia amar, era porque não me amava.
Não entendia que aquela era a minha cartilha de carinho, não a dela. 
Eu não tinha repertório para entender a dela
Ela virou "a difícil e teimosa" quando na verdade a difícil e teimosa era eu
*
Até que nos tornamos duas moças e um dia, não vou me lembrar qual - mas recente -  paramos de procurar um espelho uma na outra
De "difícil" passamos para... "diferente"
Começamos a nos descobrir e respeitar: ah, é, você gosta disso? Disso você não gosta? Ah, tá.
Conseguimos fechar a gaveta do passado  e encomendar um armário novo, cheio de gavetas vazias para serem preenchidas. 
*
Em janeiro de 2011, ela quis passar oito dias comigo em Angra dos Reis. Foi quando finalmente jogamos fora anos e anos, litros e litros de "água e vinho" e nos descobrimos um bocado parecidas
Ou "same same but different", para usar uma expressão tailandesa que aprendi hoje no blog da Talita
A gente come macarrão do jeito errado igualzinho, a gente ama queijo e molho branco com a mesma intensidade, recheia o pastel de arroz com feijão, adora contar histórias e faz amigos com a maior facilidade, pira numa feira hippie e acha que a vida é legal mesmo se faz chuva e não vai dar para tomar sol na paradisíaca praia do Aventureiro. 
Em Angra, foi a primeira vez na vida que alguém disse "como vocês são parecidas, vocês são irmãs?"
Nós duas somos loucas por doce de leite, e por frio. 
O signo dela, Áries, é o meu ascendente 
Ela é atraída por tudo que é zen, como eu
Por fotografia também
Outro dia descobri mais uma semelhança.  Nós duas detestamos cremes hidratantes que cheiram a morango e flores doces, somos da ala dos cítricos. 
Ah e, por coincidência, ela usa o mesmo perfume que eu usava quando tinha mais ou menos a idade dela. 
*
Mas somos diferentes assim: 
ela gosta de carro moderno e equipado, eu tenho um fusca e uma bicicleta; 
ela tem um cabelão loiro liso e corpo de modelo, eu tenho cabelo moreno curto ondulado, coxas grossas e, se me descuidar, engordo; 
Ela não pode pensar em comer camarão, eu como até formiga; 
Ela sabe usar o dinheiro dela com responsabilidade, eu sei usar com irresponsabilidade; 
  Ela ama propagandas desde pequenininha e vai ser uma publicitária criativa, ética e brilhante; eu, eu só penso que diabos aconteceu hoje com o bolo cremoso de fubá que não ficou igual aos outros?
Eu sou a Jovelina, gosto de colo e aconchego, ela é a Abacaxi, que demonstra seu amor de um jeito pouco usual e muito original, através de lambidas, e é a mais doce das criaturas e a guardiã da casa.
*
Na semana passada, quando comentei com ela que precisava de frases bonitas para um novo frila, na mesma hora ela encheu minha caixa de entrada de e-mails
Uau, salvou minha pele! 
Aquilo me emocionou 
Eu acho que foi porque estamos saindo do "igual mas diferente" e caminhando em direção ao "pode contar comigo sempre"
*
Tudo isso me fez pensar que a gente não nasce irmão de alguém, a gente vira irmão
A trajetória de cada par de irmão é muito particular 
Tem aqueles que precisam de poucas horas juntos para se reconhecerem, tem aqueles que demoram décadas para se encontrarem
Como em toda forma de amor, não há certo nem errado, mais ou menos bonito 
Só tem que ser livre
*
Bia, que delícia está sendo me tornar sua irmã!



foto: as irmãs Abacaxi e Jovelina, que se estranharam durante oito dias para então se amarem como nesta foto tirada hoje, domingo de Páscoa.





  

quinta-feira, 28 de março de 2013

Ao tempo, com carinho


Cheguei perto do laguinho com tartarugas, me agachei e cutuquei a água com o dedo indicador, para chamar a atenção das meninas.
Veio uma, vieram duas, três.
Quando eu ia me aproximar delas para tentar acarinhá-las, afundavam mais ou nadavam até a outra margem.
Pacientemente repeti o gesto algumas vezes e deixei que se acostumassem com aquele dedo invadindo suas águas calmas
Por um momento achei que nunca conseguiria tocá-las, e pensei:
bom, mas não é assim mesmo a vida, a gente nunca consegue tocar o tempo
embora conheça esse cabrão de longa data
conhecemos bem seu balanço, seus truques, sua aridez, sua potência. 
Mas então quando eu menos esperava uma tartaruga ergueu a cabeça e deixou que eu a tocasse, como faço com Abacaxi e Jovelina
E de repente as outras começaram a erguer a cabeça também
E eu fiquei ali, fazendo carinho nas tartarugas nadadoras, completamente feliz
A cadela boxer de cinco meses da Flavia, que é a dona do lago e a dona da casa, é minha testemunha.

*
Talvez o tempo, esse soberano, precise que a gente faça um carinho nele de vez em quando

Tomar café expresso bom é muito bom, papear com a comadre, dar beijinho na boca
Mas hoje eu tenha certeza que eu dei o melhor de mim foi para essas tartarugas.


Nota: as tartarugas são da Flavia Figueira, artista plástica & cabeleireira. Se você nunca cortou o cabelo com ela, é altamente recomendável. 




segunda-feira, 25 de março de 2013

Vitamina


Uma das melhores pessoas que conheci nos últimos tempos foi o Vitamina.

Como de hábito, fui a pé até o Sacolão buscar duas ou três coisas que faltavam em casa
Como de hábito, ele disse "não volte com caixa, ok? sacolinhas, traz só o que precisa"
Eu nunca consigo trazer só o que precisa porque acho que o feijão faz tanta falta quanto o creme de leite que é tão importante quanto a farinha de trigo.
(e pode faltar tudo exceto flores, mas flores não matam fome, pelo menos não a do estômago)
Então, obviamente, quando fui guardar as compras na caixa, não deu para acomodar em uma só. Para levar tudo sozinha até em casa eu precisaria ter uns três braços a mais. Apelei para o entregador
"Moça, eu moro aqui nessa rua, tem como contratar o serviço de um entregador?"
Assumiu o posto o Vitamina

*
Fomos caminhando até minha casa orquestrados por aquele tec-tec-tec do carrinho de supermercado rolando no asfalto
A calçada, como a maioria das calçadas de São Paulo, era estreita demais para um carrinho de supermercado, então descemos pela rua mesmo,
incomodando os carros apressados.
Vitamina tem esse apelido porque quando era mais jovem almoçava uma dúzia de bananas por dia
Matavam sua fome, não sentia falta do arroz com feijão, que comia à noite.
Diz que o corpo não sofria não, com 12 bananas por dia, tudo funcionava nos trinques.
Vitamina tem um jeito de falar olhando pra cima ou para os lados, nunca fixa os olhos nos seus. Só quando você faz uma pergunta é que te olha, mesmo assim é uma olhadinha envergonhada.
Vitamina fala sorrindo como se tivesse dois pregos, um em cada canto da boca
Eu gostaria de fotografar o sorriso do Vitamina.

*
Meses depois, dias atrás, estava no caixa do Sacolão e o cartão não passou. Tentei o de crédito e o de débito, nada. Não tinha jeito, tive de desistir das compras. Quando me dirigi ao empacotador para me desculpar pelo trabalho à toa, era o Vitamina.
"Ei, Vitamina, é você!" - ele estranhou minha reação alegre e não me reconheceu, mas sorriu.
A mulher do caixa surpreendentemente era paciente e gentil, e propôs: "Vamos tentar passar o cartão mais uma vez?".
Eu tirei umas coisas e a gente passou o cartão de novo mais umas duas vezes, mas não rolou.
A cada nova tentativa frustrada, o Vitamina repetia a frase "não tem problema nenhum, essas coisas acontecem com todo mundo, é a coisa mais comum que tem".
Esvaziava as sacolas e tirava de mim um peso enorme que nada tinha a ver com o conteúdo das sacolas.

*
Confio demais nas pessoas, e claro que muitas vezes caio em ciladas. Mas o Vitamina, eu sabia de cara que o cara era legal demais.

*
Só não sabia que o apelido tinha ganhado vida própria. Vitamina me encheu de energia.


foto: Neide Rigo

Nota: Depois que esse post foi escrito consegui ir ao Sacolão e pegar o necessário, somente o necessário o extraordinário é demais :)




segunda-feira, 18 de março de 2013

Desembrulhe com sutileza



Para a ,

galope em cavalo macio num campo verde crescendo mais do que devia, num dia de primavera
bochecha de nenê, cheiro de nenê
moedor de milho mexicano
banho de cachoeira depois da respiração.
lenço colorido no cabelo
atemoia do pé
bolo de fubá cremoso e quente derretendo na boca.
fogueira, quando o fogo é menino e ainda não tomou conta dela
o céu de Boca del Cielo.
chocolate quente que faz rir
ataque de riso contido no início da roda de respiração, ataque de riso em qualquer lugar.
abraço urgente de irmã
dançar sem pensar.
bombocado surpresa na estrada de volta para casa
cheiro de hortelã
queijos de cabra franceses
batata frita.
ameixa verde com sal no Natal
giz de cera e mandalas que a gente pinta até o recheio
passeio de bicicleta num dia quente, mas não abafado
qualquer poema do Daniel Lima
colar de passarinho amarelo
voo de helicóptero.
cabelo cacheado sem ser penteado quando acorda
café coado recém-tirado
aula de fotografia muito desejada
concha própria, que pode mudar de praia mas continua sempre inteira em seu invólucro.

Minha incomensurável parceira, eis o meu presente de bolso para você este ano: 27 sinônimos de 'sutileza'
para quando for útil, e inútil também


foto: a bailarina brasileira Verônica Coutinho







segunda-feira, 11 de março de 2013

Cacto de cacho


Coisa mais linda este post da Neide, chorei.

Um passeio com a menina Joana pelo sertão de Uauá, na Bahia.

"Este aí caindo do umbuzeiro é cacto de cacho. Não é igual ao cacho do meu cabelo?"


Foto: Neide Rigo, publicada originalmente no blog Come-se

quarta-feira, 6 de março de 2013

bloco de notas


quando ele ficou encantado com a cortina de plantas na Heitor Penteado

"prove que você não é um robô"

coisas que os gatos te ensinam: nada é eterno. toda caixa deixa de ser legal pra depois virar legal de novo.

sempre fui a última a entregar a redação, sempre precisei de mais papel

chorar, de felicidade

o melhor elogio que eu ouvi nos últimos tempos foi "você é diferente. você é diferente, você sabe disso, certo?"

sobre a pressão moderna de ter que ter uma ideia original que ninguém teve.

se existisse uma empresa que estampasse as melhores frases do Twitter em bonés e camisetas

eu sei que você gosta de regra mas o mundo não usa régua

a reportagem sobre as janelas de Lisboa, que achamos no sítio e nos mostrou o quanto o passado é mais romântico que o presente

o mesmo mestre que te impulsiona te breca


*foto do jota

sábado, 2 de março de 2013

Paris

O mais legal de tudo é assistir esse vídeo com o modo Hold Out ativado. Tirar o casaco da promessa e se agasalhar com a possibilidade, sempre. "Falhou e disse".


"One day we're gonna live in Paris
I promise
I'm on it
When I'm bringing in the money
I promise
I'm on it
I'm gonna take you out to club showcase
We're gonna live it up
I promise
Just hold on a little more"








Nota: esse vídeo brotou no YouTube dele enquanto ouvíamos a trilha sonora de Django