segunda-feira, 24 de junho de 2013

Eu prefiro. E você?


"Prefiro filmes.
Prefiro gatos.
Prefiro os carvalhos ao longo de Warta.
Prefiro Dickens a Dostoievsky.
Prefiro-me gostando de indivíduos
a mim mesma amando a humanidade.
Prefiro manter uma agulha e linha à mão, em caso de precisão.
Prefiro a cor verde.
Prefiro não suster
que a razão é a culpada de tudo.
Prefiro exceções.
Prefiro sair mais cedo.
Prefiro falar com os médicos sobre outra coisa.
Prefiro as antigas bem alinhadas ilustrações.
Prefiro o absurdo de escrever poemas
ao absurdo de não escrever poemas.
Prefiro, quando o amor diz respeito, aniversários inespecíficos
que podem ser comemorados todos os dias.
Prefiro moralistas
que me prometem nada.
Prefiro bondade astuta ao tipo super confiante.
Prefiro a terra à paisana.
Prefiro conquistados a países conquistadores.
Prefiro ter algumas reservas.
Prefiro o inferno do caos ao inferno da ordem.
Prefiro os contos de fadas dos Grimms às primeiras páginas dos jornais.

Prefiro as folhas sem flores às flores sem folhas.
Prefiro cães com caudas descortadas.
Prefiro os olhos claros, uma vez que os meus são escuros.
Prefiro gavetas.
Prefiro muitas coisas que não mencionei aqui a muitas coisas que também deixei não ditas.
Prefiro os zeros à solta àqueles alinhados atrás de uma cifra.
Prefiro o tempo de insetos ao tempo de estrelas.
Prefiro bater na madeira.
Prefiro não perguntar quanto tempo e quando.
Eu prefiro manter em mente a possibilidade de que a existência tem sua própria razão de ser."

*Possibilidades, de Wislawa Szymborska

Foto: Jotita 

sexta-feira, 21 de junho de 2013

casas


Nos últimos meses, temos flertado com algumas casas 
Hoje, depois de uma visita, penso que a dinâmica de procurar um novo lar é bem parecida com a do flerte humano
Tem casa que a gente namora pela foto e quando conhece pessoalmente nem parece a mesma do retrato. 
O oposto também ocorre: o dono da primeira casa que visitamos conseguiu ocultar no álbum de fotos sua parte mais bonita, um terraço inteiramente tomado por manjericão. Aposto que ele não via a hora de cortar aquele manjericão descontrolado que inutilizava seu quintal. Ainda me alegra a imagem daquele terraço de manjericão.
*
Toda casa, naturalmente, visitamos acreditando que pode ser a última. A gente pode até se enganar, mas a verdade é que sabe logo quando não. Às vezes eu não preciso nem passar da garagem.
No começo eu tinha uma lista grande de expectativas, aos poucos fui abandonando todas elas
Percebi que o importante pra gente, no fim, é que a casa seja original e tenha um quintal
Porque sem alma e sem flor é ruim de viver, né? 
Eu sei, no entanto, que quando for a casa certa na hora certa, pode até ser do tipo reformada e não ter quintal
Porque o que faz a gente se apaixonar por alguém (e por uma casa) é quase sempre o imprevisto, esse elemento que a cabeça não consegue explicar, mas o coração reconhece na hora
*
Nesta fase do flertar com as casas, tenho notado como é interessante a gente se relacionar com outras antes de escolher a nossa.
Hoje eu percebi que acabamos morando um pouquinho em toda casa que visitamos
Na casa do Alto da Lapa, por exemplo, nós demos muitas festas, e as tardes de domingo, cheias de garotos andando de bicicleta na rua, eram as mais gostosas; na casa da Lapa, colocamos uma grande mesa de madeira no terraço e fizemos muitos churrascos temperados com limão rosa do jardim, nos sentíamos em Ibiúna; na casa da Vila Romana, fazíamos piqueniques na praça, inauguramos nosso escritório e devolvemos a vida a um quintal de cimento.
Ao imaginar uma vida em cada casa, a gente reafirma alguns desejos, descarta outros e descobre novas e improváveis vontades 
*
Nas visitas, ele sempre passa um tempo a mais na janela, eu na cozinha. Quando um delira, escondendo os defeitos da casa porque está seduzido por uma de suas qualidades, o outro pesa e pondera.
*
Enquanto a nova casa não aparece, continua sendo certa a nossa. Tenho a impressão de que ela está vivendo seu auge: nunca esteve tão feliz, aconchegante e preenchida. 
Paredes que durante muito tempo permaneceram vazias de repente ganharam cores mexicanas e fotos em série. A fruteira nunca fica sem laranjas e bananas, no forno sempre há um resto de bolo. A cama presente da avó parece ter finalmente amaciado. 
Prestes a deixá-la, nunca amamos tanto a nossa casa.
*
Não acredito em casas com decoração de revista, não acredito em paredes só com molduras brancas e em pias muito limpas. 
Acredito em casas que estão sempre com um tapete meio sujo e que não escondem seus varais. 
Acredito em casas que começam vazias e, no mesmo compasso de seus moradores, vão ficando cheias. Não porque precisam, mas porque não têm opção, estão vivas.
*
Nos últimos meses, além de procurar uma casa para mim, me transformei na casa de outra pessoa. Há 12 semanas e alguns dias, tem um bebê morando na minha barriga!
Ele chegou me ensinando a saborear a vida em semanas, pedindo silêncio & calma, querendo leite, pêssego e purê de batata. 
Ele chegou na semana em que a gente oficializou nossa união, quinze dias depois de eu cortar o cabelo
Ele chegou me ensinando a ser engenheira, arquiteta, pedreira, eletricista, chefe de obra e tudo o mais que se precisa ser para erguer um edifício  
"Ela é jornalista", alguém me apresenta dia desses, e eu balanço afirmativamente a cabeça, mas tenho vontade de responder "sou grávida!". Me perguntam como estão os frilas e eu respondo "estou grávida!". A obstetra me disse que a partir da vigésima semana, quando começar a sentir o bebê mexer, é que vou me sentir realmente grávida. E eu só consigo pensar: "Mais?".


*foto: a sala da nossa casa, por Paula Desgualdo

** texto com óbvio débito, expressão que alguém já usou, ao texto "Aos noivos", do blog yRodar.