quinta-feira, 25 de julho de 2013

nossa segunda música


Hoje, no ônibus, descobri nossa segunda música. Every Breath You Take apareceu no meio de um monte de músicas que eu não conhecia e no instante em que começou a tocar eu a reconheci como nossa, como reconheci Como É Grande o Meu Amor Por Você naquele dia em que soubemos que você estava a caminho.

Os olhos atravessaram a Faria Lima molhados e o dedo teimava em apertar o botão de voltar quando a música chegava ao fim e outra se iniciava. É muito mais gostoso fazer isto, pensei, ouvir um pedacinho da outra música e voltar para a preferida, do que botar logo no repeat. 

Assim a gente experimenta de novo e de novo aquela sensação de susto bom de montanha russa quando ouve as primeiras batidas. O repeat é uma cilada que captura a música e engole a surpresa. 

É a diferença entre parar todos os dias e escolher fazer uma mesma coisa todos os dias, e determinar no primeiro dia que você vai fazer a mesma coisa pelos próximos 30, sem se perguntar diariamente se é isto mesmo que você quer.

"Como é que nunca falaram que Every Breath You Take é uma música de mãe para filho?", me passou pela cabeça algumas vezes. Também me passou pela cabeça fazer carinho na barriga porque eu estava de fone e você não estava ouvindo junto comigo, e eu queria te dizer que tinha algo muito bom acontecendo. 

Mas só consegui ficar parada, eu e a vizinha senhora japonesa e em pé o senhor que não iria se sentar no lugar da moça "porque eu sou homem". Ouvi Every Breath You Take por 50 minutosde uma tribo à outra, da Macunis até a Nhambiquaras.


Every breath you take
Every move you make
Every bond you break
Every step you take
I'll be watching you

Every single day
Every word you say
Every game you play
Every night you stay
I'll be watching you

Oh, can't you see
You belong to me
How my poor heart aches
With every step you take

(...)

Cada suspiro, cada passo, cada sorriso, cada palavra.
*
A parte do "you belong to be" é brincadeirinha, tá? ;)
*
Ou é verdade, mas só por mais cinco meses. Vou ali aproveitar e já volto!



terça-feira, 9 de julho de 2013

Ao bairro dos pássaros



Não quero fazer apologia à pobreza nem discursar contra o sujeito que carrega uma bolsa com um belo excedente de recursos. Não. Só quero mesmo falar sobre os efeitos positivos da grana curta na minha particular vida (porque tem os heavy metal também). 
Nas últimas semanas a grana esteve curta. E, quando a grana está curta, a gente se vê obrigado a mudar a diversão de endereço. E quando a grana está curta e você tem dores de cabeça, a lista de diversões encolhe mais ainda.
Elimine logo as três principais: cinema, tv e internet. Cinema não dá pro bolso, tv e internet só se for em doses homeopáticas, senão a cabeça reclama. Depois elimine as visitas frequentes a cafés e restaurantes. 
Então, você faz o quê? Bom, você fica bastante tempo no sofá pensando, e de tanto fazer isso desenvolve a habilidade de ficar bastante tempo no sofá sem pensar em... nada.
Você passa muito tempo observando o ritmo de suas gatas, o comportamento de cada uma. E experimenta o prazer máximo ao vê-las brincar de correr uma atrás da outra ou comer ou beber água. 
Parece bobo? As melhores coisas da vida são bobas mesmo...
Você conversa com ele, cozinha pra ele e observa ele cozinhar pra você, como ele faz isso naturalmente bem. Espera ele trazer o pão da padaria com menos ansiedade do que no mês passado e mais do que no mês que vem. Porque você sabe que a ansiedade vai ter cada vez menos espaço na sua vida. No abecedário das grávidas, ela está logo no comecinho, na letra A, e já estamos indo para o fim do começo do alfabeto.
E você lê livros. Não revistas femininas, porque a grana está curta e talvez nem te interessassem tanto agora. Você pega o novo Fante que já fora devidamente engolfado e resenhado por ele e está largado na mesa de centro há semanas, e começa a ler e não consegue mais parar. Em um dia e meio foi saciado, terminado e a louça lavada. Reproduzo um trecho:

"(...) 

 Quer seu jantar agora?

A berinjela cozida me transportou de volta à infância, quando elas custavam um níquel cada e eram um grande banquete, maravilhas globulares purpúreas, salientes, alegres e generosas, com seu rico sabor querendo encher nosso estômago, tão bonitas que me davam vontade de chorar.

As finas fatias de vitela me obrigaram a conter outra vez as lágrimas enquanto eu as comia acompanhados do magnífico vinho Musso das montanhas vizinhas. E os nhoques preparados na manteiga e no leite por fim detonaram o processo. Cobri os olhos sobre o prato e chorei de alegria, gorgolejando como no ventre de minha mãe, tão doces e pacíficas, enchendo minha boca de vida para sempre. Ela viu meus olhos úmidos, pois não havia como os esconder.

 Tem algo no ar  falei.  Amoníaco, talvez? Está queimando meus olhos.
 É amoníaco. Esfreguei o chão com ele.
 Então é isso. Amoníaco. 
 Seu pai odeia amoníaco. Não me deixa usar na máquina de lavar roupa.
 É verdade?
 Sabe do que ele gosta?
 Diga.
 Banho de espuma.

(...)"

A irmandade da uva, de John Fante, é um livro sobre um entediado escritor de best-seller que só para de masturbar o próprio ego e subir no próximo ônibus sempre que algo lhe foge ao roteiro quando ajuda o pai pedreiro a realizar uma obra despropositada. Voltando a conviver com o que há de pior e mais feio nele, volta a tratar a si mesmo com sinceridade.

A descrição do "vinho de geladeira" gelado e insubstituível de Angelo Musso fez uma mulher grávida que há meses enjoava só de pensar em tomar vinho desejar febrilmente um gole dessa maravilha da Califórnia.

Retomar o hábito da boa leitura, aprender a aquietar e fazer absolutamente nada, ver pouca tv, dormir cedo e acordar cedo, almoçar com ele sem pressa nenhuma, baldear por blogs de maternidade sem pressa nenhuma...Foi uma bela travessia.

Sabe o que mais tem sido ótimo? Deixar de gastar pequenas fortunas em cafés e restaurantes para comer mediocremente. É muito melhor em casa. Amigos, usemos mais nossas próprias casas!

Mas, como o ponteiro do relógio não para de andar e nem a barriga de crescer, é chegada a hora de movimentar. Já não preciso mais das tardes para fazer bolos, eles já se condensaram à rotina. Jovelina está plenamente adaptada à casa e mais saudável do que nunca. Meu pêndulo sai da zona de muita liberdade e pede um pouco de segurança. 

Como explica Zygmunt Bauman, passamos a vida tentando equacionar segurança e liberdade. Quanto mais se tem de uma, menos se tem da outra - mas a gente quer as duas. "O problema é que ninguém na História, nem no planeta, achou a fórmula de ouro, a mistura perfeita de segurança e liberdade. Cada vez que você tem mais segurança você entrega um pouco de sua liberdade. Não há outra maneira. Cada vez que você tem mais liberdade você entrega parte da sua segurança".

Então amanhã, de mochila verde musgo com marmita dentro e barriga de grávida por vir a ser, subo num ônibus Metrô Santa Cruz e desembarco no bairro dos pássaros, e assim deve ser por um tempo. Se eles me chamam, eu vou!



foto: brincadeira em movimento, por claudia laloni/agência mãe