quinta-feira, 22 de agosto de 2013

escultura de bebê


*A foto, o Jota achou e me mandou de presente hoje


domingo, 4 de agosto de 2013

louça, café velho e vovó Carlotinha


Hoje, lavando o bule no fim da manhã, o cheiro do resto de café me transportou até os lanches de quarta na casa da minha bisavó Carlotinha.
toda quarta-feira às 17h30 vovó Teresinha e seu motorista nos buscavam em seu Santana azul e íamos os primos todos no porta-malas chupando chiclete e falando alto, e o som do carro em alto volume tocando alguma música do tipo Anna Júlia.
lembro de ficar impressionada com a tolerância da vovó em relação àquelas músicas, como ela as suportava? "eu não ligo, eu gosto", ela dizia.
Vovó Carlotinha - nunca chamamos nossa bisavó de bisa, era vó também - morava numa casa na rua Groenlândia, com um longo quintal que tinha no fundão uma porta de garagem dessas que não existem mais. Era terrivelmente barulhenta e nossa maior diversão era sair correndo e jogar o corpo contra elas. Fazia um barulho que era uma mistura de trem correndo no trilho com secador ligado & caminhão triturando lixo. 
Cada vez que alguém pegava impulso e saía correndo em direção ao portão todos os outros tapavam os ouvidos porque o barulho era realmente horroroso. Era muito legal.
E o fruto laranja proibido? Como queríamos comê-los. O quintal era cheio daquelas arvorinhas e sempre os sertanejos dos frutos calhavam de dar, ah! que se amora ou jabuticaba dessem nessa frequência imagina a maravilha que seria. Mas não, eram frutos proibidos e venenosos, ai de quem comer, e as mães acho que repetiam isso pra gente todas as quartas.
Em vez das frutinhas, comíamos pão de queijo. Não quaisquer pães de queijos. Os piores, ressalto, OS PIORES pães de queijo de que se tem notícia. Eram duros feito uma cratera, solados, queimados embaixo, com gosto acentuado de polvilho e sempre, SEMPRE estavam frios. Mas a gente os amava. Eles tinham o cheiro da casa da vovó Carlotinha. Eles e o café com leite que nesta época eu tomava bem escuro, sem saber como gostoso mesmo era do claro.
Gostava de subir ao quarto da vovozinha e observar como tudo, absolutamente tudo ali naquela casa, era de um tempo que ficara para trás.
Vovó Carlotinha era o ser mais doce que você pode imaginar. Diminuta e curvada, falava pouco, em voz baixa e obrigatoriamente sorrindo. Nunca a vi contrariada, era uma espécie de anjo. Eu achava lindo seus cabelos grisalhos presos num coque e queria que fossem longos, mas vovó Teresinha dizia que pessoas velhas não tinham cabelos compridos.
Os sofás da casa eram peculiares, grandes bancos com almofadas duras. Quer dizer, algumas duras, outras moles. 
Meu deus, acabo de me lembrar, fazíamos cabanas com elas! TODAS as quartas! Pobre Rita, devia passar horas arrumando a casa depois da passagem daqueles pequenos furacões...
Nós éramos livres, definitivamente crianças livres.
Não me lembro de ouvir discursos chatos das avós e tias, do tipo "não baguncem muito, não comam pão de queijo demais". Como pode ser boa a infância depois que os anos desaparecem com seus fantasmas! 

A casa da vovó Carlotinha na rua Groenlândia foi reformada, e hoje moram ali umas modelos (fonte Luiza Laloni). Mas não há uma vez que eu passe lá sem me lembrar. Das quartas cheirando a café com leite escuro e pão de queijo duro, frutinhas proibidas e portões barulhentos, primos e primas, e muitas mulheres mães, amorosas mulheres, eis o que somos.
E como disseram ontem: "seja apenas o que pode ser".
*
Mas não é engraçado como o cheiro de um café velho escorrendo na pia pode fazer a gente voltar à casa da bisavó?

foto: vovó Teresinha e vovó Carlotinha, no aniversário de 1 ano da Bia