segunda-feira, 28 de outubro de 2013

anotações e céu na parede


No sábado em que batizamos nossa casa nova com os salve-salve dos amigos, as meninas do Paulo chegaram bem perto da minha barriga e com a maior naturalidade do mundo bateram um papo com você, te chamando de "Bichano".
Eu ri muito e desde então te chamo de Bichano às vezes. 
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Dia desses tava almoçando com a Marly quando a Fernanda, do coworking Pto de Contato, passou pela nossa mesa e disse "Oi, meninas. Oi, Bento". Que delícia! Passei o dia lembrando disso e sorrindo. Foi como se você já estivesse ali, sentado com a gente.
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Você reconhece o barulho do liquidificador. Toda vez que eu vou bater um bolo ou um suco e ligo o liquidificador, você começa a chutar. Eu dou risada e falo "rapidinho, Bento, só mais um pouquinho", e protejo a barriga com uma das mãos.
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No sábado, durante uma gravação de vídeo em Santa Gertrudes, no interior de São Paulo, entrevistei uma garotinha que coleciona livros. Ela foi logo me mostrando qual era o mais precioso de sua coleção, o primeiro, segundo a mãe o livro que fez com que a filha acreditasse que já era capaz de ler. O nome: Bento, A abelhinha
Na despedida, a família toda no portão, a mãe gritou: "Avisa quando o Bento chegar!".
O livro, fotografei todas as suas três páginas, e sua avó quer procurá-lo em sebos.
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Quase todos os dias, na Galeria Ouro Fino, a doce faxineira que eu gostaria que tivesse apelido pois o nome diferente não registro, pergunta de você. "E o Bento?", "Oito horas e ainda aqui? Hãn", "Cuidado com esse menino, não corre!". Agora, na cozinha, ela perguntou: "E o Bento, mexendo muito?". Muito, o tempo todo, é um bailarino, cada dia uma nova coreografia!
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Cada dia que passa aumenta minha vontade de te apertar, te segurar no colo, te alimentar, te conhecer. Mas sem pressa, sem ansiedade. Aquela sensação gostosa de a festa tá chegando, mas ainda demora, dá tempo de sobra pra gente se preparar pra ela, achar o vestido e decorar o salão, e se pudesse escolher a data ela seria exatamente no dia que é, nem antes nem depois.

foto: o céu azul granulado cor de lagoa mágica que aguarda Bento

quinta-feira, 17 de outubro de 2013

primos e raízes




Hoje a Luiza, que está naquela fase do "não" e sempre foge aos meus abraços, espontaneamente me cutucou e disse: 
"Eu acho que o seu bebê vai adorar você"
Me agachei e fiquei lá acompanhando a refeição dos três, na minimesa na casa da bisa Teresinha. Julia lambuzada de macarrão com molho branco, uma legítima integrante da minha família. 
Daí o João Pedro me ofereceu sua última coxinha.
Luiza e João Pedro, querendo me matar de amor?
Entendi que não era comigo, não, Bento, era com você que eles estavam falando, era pra você aquele carinho todo. 
Crianças têm uma sensibilidade diferente da gente comum em relação a uma mulher grávida. 
Elas podem estar cansadas, sonadas, irritadas, mas basta você aparecer e falar que tem um bebê aqui na minha barriga que elas ficam calminhas e te olham como que hipnotizadas.   
Eles são seus primos, filho. As roupinhas que você vai usar, os sapatos, as naninhas, a cadeirinha, o colchão, tudo um dia foi usado por essas brilhantes pessoinhas.
Você já nasce com coisas significadas que serão ressignificadas por você. Você vai inventar uma nova história para elas. 
Será que o Antonio abriu seu primeiro sorriso usando aquele macacão branco? Que o João tomou seu primeiro banho de mar com aquela sunguinha? Que a Joana deu seu primeiro passo no dia em que calçava aquela sandália?
Sétimo, você é o sétimo bisneto da incrível vovó Teresinha e o quadragésimo neto de João Francisco de Medeiros, o lendário Paraíba de Cianorte. 
Como qualquer ser e como nenhum outro ser, você nasce com duas raízes, trançadas num lar só. 
Eu acho que o meu papel, como escreveu com perfeição uma amiga essa semana para sua mãe, é te dar amor bastante para que seu pequeno coração possa passear seguro por este mundo afora e, a partir de suas raízes, plantar suas próprias flores.

foto: Jotabê Medeiros/O Pai

quarta-feira, 16 de outubro de 2013

a gravidez


Ontem ele me perguntou como é. Como é ter um bebê na barriga. A sensação. É como o quê, como você descreveria?
Largadona na poltrona, eu sorri e disse o que a gente não costuma dizer nunca, mas suspeito que comece a dizer cada vez mais, sem vergonha:
“Eu...eu não sei. Vou pensar e te digo depois, tá?”, me esquivei.
Aí lendo um post da Potencial Gestante agora vejo a frase “por mais que tente escrever, a sensação parece inexplicável”.
Às vezes enquanto desço a Augusta lembro de uma frase do Edu Cordeiro, “ele nasceu! ele é lindo, fofo, inacreditável”.
Inacreditável. Inexplicável.

Só tem um jeito de estar grávida, que é engravidando. É igual tentar descrever como é estar apaixonada. Ou descrever como é compartilhar uma refeição maravilhosa.   
É igual pra todo mundo, e diferente pra todo mundo.
Eu sinto paz. Sinto que o medo ficou pra trás em algum lugar nessa floresta, enquanto eu tomava banho de cachoeira ou chupava uma manga. 
É claro que às vezes aparecem uns lobos ou umas pedras, ou chove, ou o sapato se divide ao meio, mas tenho minhas artimanhas e talvez pela primeira vez na vida elas nada tenham a ver com fugas e esconderijos.

A gravidez, obviamente, te ensina a esperar. São 10 meses contando sua vida em semanas, e esperando o que vai acontecer de novidade na seguinte.
Eu acho que logo no começo você percebe que tem duas escolhas: temer ou confiar.
A gravidez é um prato cheio para potencializar medos e colorir inseguranças, simplesmente  porque nunca na vida você esteve tão longe do controle de uma situação. Tem um bebê do tamanho de um gergelim dentro da sua barriga, ele vai se desenvolver, crescer, escolher a hora em que vai sair de você. E não há nada que você possa fazer sobre isso. E aí, vai temer ou confiar?

No começo, oscilei entre confiar e temer. Até que percebi que não ia conseguir curtir a gravidez se continuasse oscilando. E, de um jeito inexplicável, comecei a confiar plenamente nesse processo maravilhoso de preparar uma pessoa.
Tomei algumas medidas práticas, como diminuir a longa lista de restrições alimentares imposta pelo obstetra a dois ou três itens e parei de tirar a rúcula de dentro do sanduíche da lanchonete por medo de contaminação.
Não liguei pra quem me aconselhou a cortar açúcar e comi um docinho todos os dias com parcimônia, alguns dias com liberdade total.
Senti que a melhor coisa que eu poderia fazer pelo meu filho era me sentir feliz, e não seria feliz com tantos receios e tantas privações. 
Mas a decisão mais importante, que foi relaxar o coração, não tem lá muita explicação.
Relaxei tanto que me esqueci de passar com a obstetra em julho. “Tudo bem! Mas não faça mais isso, ok? É importante a gente te examinar todo mês”.

Fui percebendo que não precisava me apegar a uma obstetra, a um livro, a um enxoval, a nada. Só preciso me sentir bem, saudável e conectada ao meu filho. Do nosso jeito.
Perguntam se converso bastante com ele, se estamos ouvindo música clássica, se estou lendo histórias.
Não, não e não. Quer dizer, do nosso jeito, fazemos essas três coisas. E acho que é isso que as pessoas dizem que é achar a sua conexão. Ela com certeza não vai ser igual a minha.

Eu e o Bento somos assim:
Todo dia, quando acordo, falo “Bom dia, Bento!”, e passo a mão na barriga. Se ele não chuta na hora – “Bentô-ô, Bentolino, Bentóviski?”, dali a alguns segundos lá vem mexida. Assim começamos o nosso dia, acordando juntos.
Ao longo do dia ele se mexe várias vezes, algumas vezes dá uns chutes (ou o que quer que seja essa movimentação) mais fortes, geralmente nas laterais, que me deixam extasiada. Faz cócegas, faz felicidade.
À tarde, no trabalho, ele costuma mexer bastante, e eu não posso compartilhar com ninguém ou dizer em voz alta “Oi, meu amor!”, mas passo a mão na barriga e estamos entendidos.
E agora a gente está entrando num novo e encantador estágio de comunicação: se eu fico um tempinho passando a mão na barriga, ele responde com chutinhos.
À noite, como eu acho que é comum a todas as grávidas, é quando o balé se intensifica. Não sei se prefiro jantar porque é hora de comer a comida maravilhosa do pai dele, ou se é porque eu sei que em instantes eu e Bento vamos conversar muito.
Tenho a sorte de ser casada com um homem que me alimenta. 
De muitas coisas.
Na hora de dormir, damos os dois boa noite ao Bento, que permanece chutando as costas do pai até que a gente perca a noção do tempo e adormeça.

Faltam dois meses e meio. Ainda tem estrada.
Ainda tem muito que confiar, cuidar, viver.
Muitas augustas pra descer, muito corpo pra alongar, muita barriga pra crescer e caixa pra desempacotar.
Mas é uma delícia tão cremosa, como diz seu nonno, a gente ter chegado até aqui juntos, B., que às vezes eu me pergunto: quem está te preparando sou eu, ou quem está me preparando é você?

foto: eu, você e nosso fusca Barbecue. Créditos: Pai 

sexta-feira, 4 de outubro de 2013

o adeus ao bê-ene


Quando nos mudamos para o número 200 e pouco da rua João Miguel Jarra logo percebemos que nosso vizinho de frente, o da porta de madeira com a imagem de Nossa Senhora, era o morador mais importante do prédio.
Jota o achou um tipo esquisito com quem não se deve ter uma relação. 
Todo conhecido nosso sempre perguntava "e aquele senhor que não sai de lá de baixo?". Senhor não porque apesar de ter idade avançada ele misteriosamente não tem cara de velho, tampouco de jovem.
Mas o fato é que ele nunca me causou estranhamento, e gostei mais ainda dele quando soube que residia ali há 30 anos, quando ainda estava fresca no edifício a memória de seus dias de BNH. 
Cuidava das plantas do prédio, foi ele quem semeou a maior parte delas. Se você olhar pros outros predinhos não vai ver tantas flores e tão bonitas como naquele
Dama da noite, goiabeira, mangueira, flores do campo
Diariamente alimentava os passarinhos com mamão e restos de fruta  
Cuidava também da mesa e das cadeiras
e do peculiar anãozinho que usava um relógio de verdade
O anãozinho muda de cor a cada bimestre, e hoje eu penso por que é que não fotografei todas as suas roupas, daria um magnífico ensaio!
Passava a maior parte do tempo lustrando sua moto lá embaixo
e tinha uma coisa irritante a qual nos habitamos: fumava muito, o tempo todo, inclusive nas escadas, sempre cheias de cinzas.
Era uma espécie de protetor do prédio, logo eu saquei. E que sorte a nossa: nosso vizinho de frente!
Vanderlei foi mesmo um protetor pra gente nesses mais de três anos em que moramos lá. 
Com o estreitar da relação, o multiplicar dos bom dias e boas noites, fomos pegando alguma intimidade e, eu claro, a mais folgada do casal, comecei a pedir a ele alguns favores. 
"Vanderlei, minha enteada vem hoje e tá sem chave, posso deixar com você?", "Vanderlei, vem o cara da NET e não vamos conseguir estar em casa, pode abrir pra ele?"
Sem contar que ele intermediou a venda do fusca do Matheus, um dos melhores negócios que já fizemos 
Uma vez dei uma flor em agradecimento. Mas acho que, apesar de ter sido gesto verdadeiro, flores de gratidão são muito protocolares, os obrigadas mais afetuosos são aqueles que vêm fora de época, como a gaiola de hamster que a gente achou na caçamba da Mourato e deu de presente pra ele e hoje é onde se alimentam os sabiás, os sanhaços e também as pombas
Não consigo imaginar como teria sido nossa vida lá sem o Seu Vanderlei. 
Mais do que ajudar a resolver pequenos pepinos do dia a dia, Vanderlei humanizou a nossa São Paulo, acaipirou nossa São Paulo. 
Ele fez com que recuperássemos a confiança em quem mora ao lado, hoje sabemos que contar com o vizinho não é coisa exclusiva do interior, não é uma utopia.
Na quinta-feira de manhã, voltando da Márcia, passei na frente do velho predinho e o coração apertou pela primeira vez desde a mudança. A janela, vazia, sem a cortina de renda filé de Maceió, as luzes apagadas, nenhuma gata à espreita. Ia seguindo quando vi que ele estava lá embaixo, fumando. Atravessei a rua. 
"Seu Vanderlei, bom dia! A Comgás passou aqui ontem pra desligar o gás?"
"Passou"
"Eles tocaram no seu apartamento, você assinou o termo pra gente?"
"Assinei"
"Nossa, seu Vanderlei, nem sei como te agradecer. Muito obrigada por tudo. Passa lá em casa pra tomar um café?"
"Qualquer dia"
(no dia seguinte da mudança, Jota viu o Vanderlei passar na nossa nova rua, o convidou para entrar, mas ele respondeu "qualquer dia")
Estava já de costas quando ele disse: 
"É pra quando? O bebê"
(entendi de primeira, só então percebi como acabei desenvolvendo uma habilidade de compreender o que ele diz)
"Ah! Fim do ano, dezembro ou janeiro"
"É menino ou menina?"
"É um menino!"
Ah, seu Vanderlei, ah predinho nosso!
*
A filha do Vanderlei disse assim, quando nos despedimos dela: 
"Que pena, os bons sempre vão"
Mas o melhor sempre fica. 

foto: anãozinho, com um de seus looks